terça-feira, 22 de maio de 2012

O Bolo de Milho Cozido na folha de couve

Colocação da "massa" pelas folhas de couve. Foto Élvio Sousa. (ES)

"O milho foi um dos alimentos que a globalização dos Descobrimentos trouxe à mesa dos portugueses. De confecção muito remota e introduzida na Madeira no tempo posterior ao cultivo da cana-de-açúcar passou a acompanhar o receituário local, afirmando-se na dieta alimentar do madeirense.

Dando continuidade à temática abordada no artigo anterior, dedicada à gastronomia tradicional, hoje vamos abordar a confecção de um tipo específico de bolo de farinha de milho cozido sob uma “cama” de folhas de couve. A recolha teve lugar no secular Sítio do Povo, Freguesia de Gaula, às mãos de Rita Heliodora Vieira Martins, mãe do autor deste texto.

No registo deste património cultural que se perde nos tempos do “antigamente”, compreendia-se que esta forma peculiar de bolo (que juntava aos ingredientes a farinha de milho, um pouco de farinha de trigo, batata doce, fermento e sal) era prática comum no tempo das couves. O processo de confecção acompanhava o fabrico do pão, com a particularidade do bolo de milho ir ao forno, numa primeira cozedura, antes da enforna do pão.

O modus operandi é muito simples. Depois de levedar cerca de vinte minutos, o bolo de milho é repartido às unidades pelas folhas de couve, utilizando-se água para alisar. Em seguida cortavam-se as arestas da couve de modo a que estas não interferissem umas nas outras e no próprio pão, que também ia a cozer.



Momento da "enforna". Foto ES
Procedia-se ao varrimento do forno, utilizando-se o varredor e o “puxa-brasas” e para formar e acoalhar testava-se uma primeira cozedura. Antes de ir ao forno e junto à pá proferia-se a seguinte uma oração: “Nosso Senhor te acrescente no forno, como a graça de Deus pelo Mundo todo”.


Foto ES.


Bolo de milho cozido na folha de couve. Foto ES.
Depois de acoalhado, era retirado do forno e, junto à lareira, tiravam-se as folhas que suportaram de base na cozedura. A característica do bolo é manifestamente reconhecível nesta fase: no fundo formam-se os negativos do “esqueleto” da couve numa perfeita alegoria à arquitectura daquela hortaliça no recheio da crosta do milho. "

Élvio Duarte Martins Sousa, publicado na Revista Rugas, Funchal, Abril de 2008, pp.18-19

2 comentários: