Conjunto de socalcos, Maroços, Machico. Foto Manuel Nicolau. |
Para quem vive na Madeira e pressente a necessidade de olhar e reflectir o espaço humanizado envolvente, depressa se aperceberá do engenho e da monumentalidade dos nossos poios.
Para quem nos visita – sobretudo, os turistas – essa visão do espaço e da conquista da vertente pela pedra talhada – deve constituir um factor de grande admiração e respeito. Na verdade, o Arquipélago da Madeira reúne, no presente, singularidades muito próprias que justificam efectivamente uma estratégia de valorização e de preservação daquilo que ele tem de exemplar e de original. Neste caso concreto, seria prioritário – para não dizer imprescindível do ponto de vista da preservação da memória patrimonial do madeirense – equacionar um programa de inventariação, seguida de classificação, de um conjunto particular destes socalcos que engalanam a paisagem da Madeira.
Neste capítulo, não deixa de ser oportuno referir uma passagem do livro de Vieira Natividade, "Madeira. A Epopeia Rural", escrito nos anos cinquenta do Século XX, em que o autor destaca a exemplaridade dos poios madeirenses: "E o homem, o pigmeu, atacou a montanha. Durante séculos não cessou o trabalho rude da picareta e da alavanca, e à custa de vidas, de suor e de sangue talharam-se na rocha as gigantescas escadarias, sem que o alcantilado das escarpas, a fundura dos despenhadeiros ou a vertigem dos abismos detivessem os passos do titã. Monumento este único no mundo, porque jamais em parte alguma, com tão grande amplitude, tanto esforço humano foi empregado na conquista da terra."
A paisagem construída madeirense apresenta-se como uma imagem inigualável de identidade para a vertente turística. Reconhecendo-se que os últimos relatórios da Organização Mundial de Turismo têm salientado um aumento significativo na procura da oferta em relação ao património cultural, seja por esta razão ou, justamente, por uma outra – digamos, mais afectiva e de respeito pela memória de todos aqueles que construíram estes verdadeiros "monumentos" em terraços de pedra – constitui um dever cívico garantir a sua preservação e valorização, para o presente e para o futuro.
Recordo-me que numa viagem que fiz aos Açores, nomeadamente à Ilha de Santa Maria, observei com admiração a manutenção de um conjunto apreciável de socalcos, numa localidade à beira-mar. No longo caminho que percorri, em estrada pavimentada de alcatrão, não encontrei uma só parede de sustentação dos socalcos em pedra com um inestético recheio de cimento. Não observei a insustentável construção de casas à revelia de um planeamento integrado na paisagem e no espaço envolvente. Observei, na verdade, a construção de uma modernidade – com casas, carros, muros, garagens, estradas – em harmonia com a criação da história da terra envolvente, sem artificialismos nem pseudo-eventos históricos, comparáveis a modelos de entretenimento kitsch, do tipo "disneylândia" à portuguesa.
A preservação dos poios madeirenses deve ser pensada numa óptica de preservação da nossa identidade.
O desafio que se coloca ao turismo, no presente momento, é o de repensar a utilização dos recursos patrimoniais numa óptica de desenvolvimento durável, assente em critérios de qualidade e de autenticidade.
Construídos pelos portugueses e seus descendentes que povoaram a Madeira no Século XV, os poios são, verdadeiramente, uma "imagem de marca" da paisagem insular. Ao longo de cinco séculos sustentaram o cultivo da cana-de-açúcar, do vinho, da banana e, hoje em dia, quase que seguram os pilares de inúmeras habitações e apartamentos. De qualquer modo, ainda guardam na sua essência, o selo admirável do engenho do Homem.
Publicado no Diário de Notícias – Madeira, Funchal, 17 de Janeiro de 2005, p.2. Mais recententemente no livro Fragmentos – Diálogos entre um arqueólogo e um advogado sobre o património cultural (em co-autoria com João Lizardo), Funchal, CEAM – Centro de Estudos de Arqueologia Moderna e Contemporânea, 2008.
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